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Guerra às drogas, uma política racista

Ações de repressão e extermínio focam na população pobre e preta.

 

A guerra às drogas desponta como um dos grandes problemas sociais do Brasil. Como se já não bastasse a crise econômica, o aumento da fome e do desemprego e a péssima gerência da pandemia pelo nosso governo, o país encerrou o ano de 2021 com mais uma péssima colocação, dessa vez inédita e de ferir a esperança de qualquer brasileiro. O Brasil tem a pior política de drogas do mundo, com mais foco na repressão do que na saúde pública.

Essa colocação faz parte de um projeto do Harm Reduction Consortium (Consórcio de Redução de Dano), que inclui entidades que pesquisam drogas e redução de danos no mundo e foi publicado pelo Global Drug Policy Index dia 7 de novembro de 2021. 

Foram analisados 30 países e o Brasil ficou à frente de países como Uganda e Afeganistão como pior colocado quando o assunto é redução de danos. Essa colocação é fruto de milhares de mortes em operações policiais ou por agentes de estado. Somente em 2020 foram quase sete mil execuções, segundo o Fórum de Segurança Pública. 

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Por que a Guerra às Drogas é racista?

A situação fica ainda mais dramática quando analisamos o perfil das pessoas que compõem esse quadro desolador de mortes. São traços étnicos-raciais e de classe social que marcam essas vítimas: homens, negros e pobres.

Isso ilustra o quanto a política de combate às drogas no Brasil é racista. Segundo dados do Monitor da Violência do estado de São Paulo em 2020, 78% dos mortos pela polícia militar ou civil eram negros. 

“A política de segurança pública no Brasil vem do senso comum que acha que o bandido bom é o bandido morto e o bandido por excelência é o traficante, que é colocado como inimigo número 1 do país. A simples suspeita de que a pessoa é traficante justifica que seja executada pelo policial, ou seja, pelo Estado. Na maioria dos casos, homens pretos e pobres. Esse tipo de situação é cotidiana nas favelas, quando policiais invadem esses territórios atirando, matando e afirmando que só morreram bandidos”.

Cristiano Maronna, Doutor em Direito Penal e Secretário Executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD).
Assista a entrevista completa neste link.

Um levantamento feito pela Agência de Jornalismo Investigativo, Publica, revelou que em 2017 dos 4 mil processos sentenciados como tráfico de drogas, os negros são mais condenados que os brancos, por isso a população carcerário é majoritariamente composta por homens pretos. As pessoas negras, que no Brasil representam 56% da população, compõem 67% dos encarcerados.

A maioria das apreensões que justificam as sentenças é inferior a 100g de droga, sendo que 84% dos processos com até 10g tiveram apenas o depoimento de policiais como testemunho.

Se for analisado o sistema judicial brasileiro fica evidente a realidade dos que condenam e dos que são condenados, um viés racista e opressor que se repete desde os tempos da escravidão, já que 77% dos promotores e procuradores são homens brancos e de famílias tradicionais.

Como se formou a Guerra às Drogas?

1890: perseguição e proibição das expressões étnicas raciais dos negros
Logo após a abolição da escravidão em 1888 a população negra, que estava marginaliza e sem perspectiva social, se torna uma ameaça aos bons costumes da sociedade branca e burguesa. 

Qualquer pessoa negra podia ser presa por vadiagem, caso fossem pegos na rua sem comprovar moradia ou trabalho. 

Agora ponse você, quantos negros tiveram casa e empregos quando a escravidão foi abolida? Imagina quantos não foram presos pelo crime de vadiagem.

Uma outra forma de repressão é tornar proibido tudo que é ligada à expressão étnico racial dos negros: a religião de matriz africana, a capoeira e o fumo de angola, hoje conhecido como maconha, já que erva chegou ao Brasil pelas mãos dos que foram escravizados.

1921: proibição de entorpecentes
O então presidente Eptássio Pessoa declara proibida substâncias como cocaína, ópio e morfina.

1938: Acirra o proibicionismo
Getúlio Vargas coloca  maconha na lista de entorpecentes e declara em 1940 que a posse e o tráfico de drogas é crime contra a saúde pública.

1964 – 1985: ditadura militar
A política proibicionista faz aumentar o cárcere por crimes relacionados às drogas. Entre 1964 e 1974 houve um aumento de 312% de prisões por tráfico.

1976: criação da Lei 6368 
O Brasil aderiu a política de Guerra às Drogas promovida pelo Presidente Nixon em 1971, que coloca as drogas como a inimiga número um dos EUA. Essa política foi espalhada por toda a América Latina. O Brasil pegou carona nesse combate e classificou o usuário como traficante.

1980: aumento do crime organizado
Grupos de narcotraficantes começaram a se espalhar pelo país na mesma medida que crescia o consumo de cocaína.

1988 – tráfico como crime hediondo.
A Constituição Brasileira trata o crime de tráfico de drogas como inafiançável e insuscetível de  graça ou anistia, assim como a tortura ou o terrorismo.

2006: criação da Lei de Drogas
Sancionada pelo então presidente Lula, a lei foi criada para diferenciar usuários de traficantes, porém deixa uma brecha interpretativa, pois não define as quantidades que diferenciam um caso do outro. 

É o policial no ato da ocorrência que define se a quantidade apreendida é relativa a usuário ou traficante. Quando se trata de homem, preto e pobre são indiciados e condenados como traficantes. A cor da pele passa a ser o indicativo da segregação. Claramente os brancos seguem como usuários e os pretos como traficantes e portanto, passíveis de morte.

“Essa Lei foi criada sem alterar de forma radical o sistema de justiça e o sistema de segurança pública. Então, o processo de genocído, de controle e de impedimento da cidadania da população negra continuou na Guerra às Drogas, que é o encarceramento e a morte da população preta e pobre de forma institucionalizada. A guerra às drogas não inaugurou o racismo, mas deu continuidade a essa prática que acontece desde sempre.”

Dudu Ribeiro, historiador e especialista em Políticas Públicas.
Assista a entrevista completa neste link.

2015: PL399/2015
Apresentação do Projeto de Lei n. 399/2015, pelo Deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), que: “Altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”. 

O projeto seguiu parado até 2018 quando foi criada uma comissão para avaliar o PL e fazer proposições sobre o mesmo.
Fato é que o projeto dividiu opiniões entre ativistas antiproibicionistas, pesquisadores, estudiosos, advogados, pacientes, médicos e empresários. Entre as razões mais queixadas é que o PL não faz nenhuma menção quanto à reparação histórica ou de combate ao racismo praticado nas operações policiais.

Saiba tudo sobre o PL neste link.

“A guerra às drogas, nem de longe é um combate ao racismo, assim como o PL 399 são se propõe a ser. Não é a maconha que criminaliza a população negra, mas a Guerra às drogas que instrumentaliza isso”.

Dudu Ribeiro, historiador e especialista em Políticas Públicas.
Assista a entrevista completa neste link.

A falácia da Guerra às Drogas

Após 15 depois da criação da Lei de drogas o que temos hoje é um cenário desolador. Cresce o número de usuários, cresce o mercado ilegal de drogas com a ampliçao do crime organizado, cresce a violência e cresce a população carcerária.

Crime organizado:
Segundo relatório das Nações Unidas, o mercado brasileiro de drogas é muito lucrativo, já que o país é um dos líderes no mundo quando se fala em consumo de cocaína e maconha.

Justamente por aplicar uma política proibicionista, o maior favorecido é o narcotráfico, que hoje movimenta mais de 900 bilhões em todo o mundo. Um negócio altamente lucrativo.

O sucesso econômico do mercado ilegal comprova que a guerra às drogas em nenhum momento surtiu o efeito esperado de combater o crime e diminuir o número de usuários. Ao contrário, a repressão e a violência aplicada pelo policiamento contribuíram para abarrotar o sistema prisional no Brasil, marcado por práticas repressivas e racistas.

População carcerária:
Desde a aprovação da lei de drogas em 2006 a população carcerária no brasil disparou 254%. 

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, são 750 mil prisioneiros que formam a terceira maior população carcerária do mundo, sendo que 30% são presos provisórios que ainda aguardam um julgamento.

Até 2005 as pessoas presas por crimes ligados às drogas eram 9%, hoje o número chega a 29%.

Consumo:
Mesmo com tanta gente presa, a lei de drogas não teve qualquer efeito na restrição ao uso de substâncias ilícitas pela população.

De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas feito em 2012 pela Universidade Federal de São Paulo, 6,8% dos brasileiros já haviam feito uso de maconha pelo menos uma vez na vida. Em 2017 a Fundação Oswaldo Cruz fez um estudo semelhante e observou que a porcentagem de pessoas que fizeram uso da erva era de 7,7%.
O fato das drogas serem proibidas não significa que elas não sejam acessíveis. Hoje em dia qualquer pessoa, inclusive crianças, consegue qualquer tipo de droga, seja indo até os pontos ilegais de venda ou mesmo pedindo via delivery. A população não está livre das drogas e o tráfico segue lucrando.

Legalizar a cannabis é regulamentar o uso e o comércio da planta.

Enquanto algumas pessoas acreditam que a legalização vai transformar o Brasil num país descontrolado e violento, os países que já legalizaram apresentam indicadores opostos.

Uruguai, Colombia, Argentina, México, Canadá, Holanda, EUA (em partes), Espanha, Portugal, Itália, Jamaica, Suiça, Bangladesh, Alemanha, Holanda, Austrália, são alguns exemplos de países que de alguma forma legalizaram ou regulamentaram o comércio. E a lista segue crescendo.

Em nenhum desses países a violência aumentou.

“Aqueles países que legalizaram de alguma forma tiveram uma diminuição da criminalidade”.

John Grieve, autoridade policial e especialista em Inteligência Criminal da Scotland Yard dos EUA afirmou:

A legalização combate as organizações criminosas e permite que se recolha impostos oriundos da venda legal que são direcionados à educação, saúde e  segurança. 

Nesse modelo proibicionista quem fatura é o narcotráfico. As máfias seguem cada vez mais fortes, armadas e conquistando espaços na esfera política, como é o caso das milícias no Brasil.

Uma pesquisa publicada no Journal of the American Medical Association revelou que o consumo de drogas não aumentou nos estados que legalizaram a maconha nos EUA. 

Além disso, muitas pessoas, maioria homens e mulheres jovens e negros, que estão presas por quantidades mínimas de substâncias, poderão sair do cárcere.

Do ponto de vista econômico, o mercado da cannabis se coloca como uma grande promessa de investimento. Nos EUA, por exemplo, a legalização tem o potencial de gerar mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos e aumentar em US$ 130 bilhões o recolhimento de impostos no país até 2025, segundo estudo de New Frontier Date de 2019. 

Ao contrário do proibicionismo, legalizar traz resultados efetivos na vida das pessoas, pois regulamenta e controla o comércio das drogas.

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