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Como está a legislação brasileira sobre a cannabis? O drama do PL 399/2015

O que é o PL 399?

Trata-se de um Projeto de Lei proposto em 2015 pelo então deputado Fábio Mitidieri (PSD-CE) que visa alterar o artigo 2º da Lei Federal de Drogas, nº 11.343, elaborado em 2006. O artigo trata de “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham substratos ou partes da planta cannabis”. 

Em setembro de 2019 o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, constituiu a criação de uma Comissão Especial para analisar o texto do PL. O deputado federal Paulo Teixeira foi nomeado presidente da comissão e o deputado federal Luciano Ducci o relator do texto substitutivo. 

Em setembro de 2020 Ducci apresentou o texto substitutivo ao artigo, e afirma ter adotado uma linha mais conservadora para que o PL tivesse mais chances de ser aprovado. É justamente esse teor pouco contemporâneo que vem dividindo opiniões entre os defensores e ativistas da planta no país. 

O projeto não trata do autocultivo, do uso social, ritualístico ou religioso da planta, nem propõe uma reparação histórica à população vítima da guerra às drogas – negros e periféricos em sua maioria. Contempla somente a regulamentação do cultivo por pessoas jurídicas (indústrias ou associações) ou voltado para a pesquisa, produção de medicamentos para animais e humanos, produção de remédios artesanais para pacientes e associações e produção industrial de cosméticos e alimentos. 

O projeto prevê também a disponibilização de medicamentos à base de cannabis pelo SUS (Sistema Único de Saúde) por meio do Programa Farmácia Viva. (Saiba mais sobre esse programa no link: https://soucannabis.ong.br/farmacia-viva-e-o-cultivo-de-cannabis-medicinal/ )

A base aliada proibicionista e conservadora do governo reprova duramente a aprovação do PL, com o argumento de que esse é o primeiro passo para a legalização da maconha no Brasil. 

Ele também é duramente criticado por uma parcela representativa do ativismo canábico no país, como a Rede Reforma, a Marcha da Maconha e a recém-criada FACT (Federação das Associações de Cannabis Terapêutica). Todos defendem que a regulamentação deve acontecer, mas que o projeto tem muitas falhas e pode favorecer o mercado e a indústria farmacêutica.

Conheça o PL na íntegra: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2278628

Acompanhe o andamento do PL desde 2015 no link: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=947642

A retomada em 2021

Diante do atual cenário político conservador que assola o país e de ter toda a base aliada ao governo contra o projeto, parlamentares acreditavam que o debate em torno do mesmo estava encerrado. O deputado Osmar Terra, a ministra Damares e a deputada Bia Kicis, presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), uma das mais importantes comissões da Câmara, fizeram ampla campanha para tirar o PL 399/2015 da pauta de votação.

Entre abril e maio deste ano as discussões se reacenderam e a Comissão Especial de Cannabis Medicinal, que estava parada desde março de 2020, se reuniu nesta terça-feira (11/05). 

Foram apresentadas 34 emendas propostas de melhoria ao PL. O novo texto tem o mesmo teor do primeiro apresentado em 2020, mas passou por alguns ajustes de redação. 

Na reunião estavam presentes, além dos integrantes da Comissão, representantes da sociedade civil como: associações, médicos, cientistas, pacientes, mães e outros familiares de pacientes. Tanto o relator, Luciano Ducci, como o presidente da Comissão, Paulo Teixeira, foram enfáticos em apontar a importância e o vanguardismo do projeto, justificando que buscaram referências em países que já têm a regularização ou legalização da maconha em vigor, como Uruguai e Colômbia. 

Eles frisaram a urgência em atender essa demanda crescente da sociedade. Já são milhares de pacientes se tratando com cannabis, pois é um remédio eficiente e seguro. 

O acesso à medicação não é fácil e custa caro. Segundo eles, quando o país regulamentar o cultivo medicinal, com regras preestabelecidas, todos sairão ganhando. “Sem regulamentação da cannabis medicinal famílias sofrem com a burocracia, altos custos, marginalização e preconceito”, reforça Ducci.

Mesmo com a presença de opositores ao projeto, ao final do encontro o placar favorável à votação era maioria entre os parlamentares – porém sem ampla vantagem, 12 votos contra e 19 a favor. A previsão é que até o final deste mês ele possa ser votado e aprovado.

Quais as críticas ao projeto?

É indiscutível a necessidade de regulamentar e legalizar o plantio de cannabis e a produção de seus derivados, bem como de facilitar o acesso dos pacientes aos produtos à base da planta. Afinal, são 9 mil autorizações concedidas pela justiça para importação de óleo de CBD, mais de 20 mil pessoas aguardando essa mesma autorização e 200 habeas corpus de cultivo já concedidos – e cujos pedidos judiciais não param de aumentar. Isso sem contar as associações e jardineiros que atuam na ilegalidade, se arriscando para garantir remédio a quem precisa com urgência, pois sofrer é doloroso demais. 

Ainda que o projeto tenha como finalidade regulamentar o plantio da cannabis e a produção do seu extrato medicinal, ele se restringe à esfera industrial, das associações e das farmácias vivas do SUS (Sistema Único de Saúde), excluindo o autocultivo. Ou seja, o paciente continuará refém da indústria farmacêutica.

A deputada Bia Kicis, base aliada do governo, não é a favor do plantio mas deixa claro a forte tendência do governo em levar para o SUS a oferta de medicação canábica. 

“Tenho seríssimas objeções à liberação do plantio, mas os pais têm que ter acesso a esse medicamento sem burocracia e com custo barato. A solução seria o SUS passar a distribuir gratuitamente esse medicamento”, frisou a deputada em audiência pública. 

O produto da gigante farmacêutica Prati-Donaduzzi é justamente a medicação que está em consulta pública pela Conitec, que vai analisar a incorporação desse medicamento ao SUS. (Leia sobre o caso no link https://soucannabis.ong.br/o-cenario-da-cannabis-medicinal-no-brasil-2/)

Se a maconha já é indicada e pode ser adquirida mediante autorizações e processos judiciais e se o PL prevê o cultivo em determinadas circunstâncias… o que impede o autocultivo de estar previsto na lei? Esse é o ponto questionado pela frente ativista, que não simpatizou com o projeto.

A cannabis é uma planta que se cultivada e produzida em casa confere as mesmas garantias e resultados do produto importado ou comprado nas farmácias. Quem detém o conhecimento do plantio caseiro, que pode ser escalonado para a indústria, são os jardineiros, que praticando a desobediência civil enfrentam a ilegalidade e continuam plantando, realizando melhorias genéticas e beneficiamento da planta. Eles também não foram acolhidos no projeto.

No que diz respeito ao cultivo associativo, é preciso adequar as normas e regulamentações de plantio e produção. Não há como equiparar as exigências para indústria e associações se os objetivos das mesmas são completamente diferentes. 

 “O PL coloca em pé de igualdade o poder econômico das indústrias farmacêuticas e das associações ao exigir os mesmos critérios de aquisição de sementes, plantio, extração e rastreamento. São adequações extremamente onerosas que não correspondem à realidade financeira das associações, pois a escala produtiva de uma indústria e de uma associação não é a mesma, portanto as exigências têm que considerar essas diferenças”, defende Cecília Gomez Sodré, advogada.

Uma das possibilidades de cultivo indicadas no PL é por meio do Programa Farmácia Viva, mas se isso não for bem aplicado terá poucas chances de ser efetivo. 

“É um avanço a previsão legislativa, pois o Poder Judiciário já vem determinando a inclusão no SUS de medicamentos de cannabis. Agora, parece demagogia prever a distribuição de fitoterápicos de cannabis pelo programa Farmácia Viva do SUS sem ter uma avaliação da falta de política e orçamento para o programa e para as plantas medicinais em geral”, pontua o advogado e professor de direito constitucional Konstantin Gerber.

Quanto à forma do consumo medicinal da cannabis, o PL não aprova o uso vegetal da planta, ou seja, a erva in natura, embora para muitos pacientes fumar seja uma forma de uso medicinal.

O projeto não prevê a descriminalização

A luta pela descriminalização e legalização da maconha é antiga e, ainda que lentamente, vem ganhando força no mundo e também no Brasil.

Mesmo que o governo atual represente uma linha ultraconservadora, proibicionista (combate às drogas), negacionista (nega a pesquisa e a ciência que comprovam os benefícios da maconha para a saúde) e racista (utiliza de operações de extermínio, como foi o caso recente do Morro do Jacarezinho – RJ), o debate tem sido feito, e o PL 399/2015 é pioneiro em tratar de cannabis dentro Câmara. 

“Enquanto discussão legislativa, é extremamente válido estar acontecendo. É a primeira vez que temos uma discussão tão aberta na Câmara dos Deputados tratando de cannabis e produtos de cannabis. Poderia ser mais amplo, principalmente no que diz respeito às associações e ao autocultivo. A demanda é urgente, é antiga, mas a discussão é recente”, ressalva o advogado de Direito Médico e da Saúde Leonardo Navarro.

O ponto que sustenta o projeto é justamente o argumento medicinal: a regulamentação para plantio e produção de medicamentos de cannabis. Mesmo assim, a comissão que defende o projeto enfrenta uma bancada conservadora. Por outro lado, os ruralistas do planalto têm interesse na indústria do cânhamo e podem votar a favor. 

“Talvez não seja o caso de tirar o projeto da pauta de votação. Cada vez mais as pessoas que se tratam ou indicam cannabis estão sendo atacadas. O PL pode não estar de acordo com o ideal que buscamos, porém parar o debate não acho que seja válido”, pondera Patrícia D. Rosa, terapeuta complementar e prescritora canábica pela associação Soucannabis.

O fato é que com o PL como está, sem abraçar o autocultivo e garantir ao paciente e usuário de cannabis o direito de plantar e produzir seu próprio medicamento, aqueles que plantam continuarão sendo enquadrados como traficantes.

Não há menção alguma no PL que venha na contramão da criminalização da maconha, por exemplo, diminuindo a população carcerária libertando os que estão presos por porte de quantidades insignificantes de maconha. A violência e o tráfico que deveriam ser combatidos continuarão presentes na vida do cidadão. A periferia, o preto, a preta da favela, as crianças que se envolvem no mundo do crime continuarão sendo os mais atingidos nessa luta eterna contra as drogas.

É uma guerra que, no que depender de seus comandantes, não terá fim. Seus mentores não têm interesse algum em abrir mão dos lucros milionários da indústria das drogas.

É hora de aproveitar este momento de discussão para esclarecer, informar, desmistificar e enaltecer os benefícios que uma simples, mas milagrosa planta, tem gerado na vida de milhões de pessoas. Uma planta possível de ser cultivada em casa e com uma ampla aplicação de uso terapêutico.

Também deveria fazer parte do projeto apoiar e incentivar a pesquisa, capacitando médicos e profissionais da Saúde na prescrição canábica, mas isso não está sendo contemplado.

É uma luta de muitas frentes. O PL 399/2015 trata de um braço dessa luta, porém suas outras frentes não podem ser negligenciadas.

Se essa luta tem sido feita a passos lentos, que eles sejam dados com firmeza e coerência, para que a caminhada em prol da legalização total da cannabis seja uma realidade também no Brasil.

Seguimos juntos na luta!

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