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Você sabe o que são os Habeas Corpus de Cultivo de Cannabis?

Advogadas da Rede Reforma esclarecem dúvidas sobre o processo

Para os pacientes de cannabis ou não, cultivar sua própria medicina em casa ou participar de um plantio através de uma associação é o movimento mais coerente, já que para quem depende da cannabis como garantia de saúde e bem-estar, sendo pessoas ou animais, poder plantar a erva e extrair dela os óleos que agem como medicamento é uma solução plausível e com garantia de qualidade assegurada.

E já que a legislação brasileira não liberou o plantio da cannabis, mesmo reconhecendo suas propriedades medicinais e aprovando o uso de medicamentos a base de cannabis, é cada vez maior o número de pacientes e associações que entram na justiça com pedidos de Habeas Corpus de plantio e as aprovações desses pedidos tem sido grande também.

Para entender um pouco sobre os diferentes tipos de Habeas Corpus  como funciona o processo jurídico, a Soucannabis entrevistou as advogadas da Rede Reforma Cecília Galício e Gabriella Arima.


1) Quais tipos de HC’s para pacientes é possível conquistar?

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o Habeas Corpus Preventivo é o remédio constitucional cabível quando houver efetiva demonstração da existência de ameaça ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O habeas corpus é, via de regra, individual, conforme previsto na Constituição Federal e na legislação penal, e contempla aquele indivíduo que requereu a ordem judicial. Já o habeas corpus coletivo divide opiniões nos tribunais, devido à falta de previsão legal, no entanto é um dos instrumentos mais democráticos de acesso à justiça.

2) Quais as diferenças entre eles?

No habeas corpus individual, como dito, a ordem contempla uma pessoa, no caso dos habeas corpus coletivo, a ordem contemplará um coletivo específico, visto que é preciso indicar quem são os pacientes beneficiados com a medida. A diferença é que no habeas corpus coletivo o pedido desses pacientes está contemplado numa única ação, num único processo, fortalecendo o discurso associativo e a construção coletiva de soluções para o problema do acesso à cannabis com finalidade terapêutica.

3) Como uma pessoa deve se mobilizar para conquistar qualquer um dos tipos de HC?

O primeiro passo é preciso mobilizar-se no sentido de encontrar, através da orientação médica, o tratamento adequado para o paciente. A fundamentação para conquistar o pedido de Habeas Corpus é a imprescindibilidade do tratamento, aliada à dificuldade ao acesso à terapia, seja pela ausência de condições financeiras para adquirir os medicamentos importados, seja pela dificuldade em obter o custeio pelo SUS, o que leva o paciente a realizar o auto cultivo. Tal situação, tendo em vista a atual política de drogas, enseja a impetração de habeas corpus para garantir que o paciente não seja privado de sua liberdade, e que não tenha suas plantas apreendidas e não sofra interrupção no tratamento, tendo em vista o exercício regular de um direito, estado de necessidade e inexigibilidade de conduta diversa.

4) Quais direitos estão garantidos com o HC?

O direito garantido pelo salvo conduto é fundamentalmente o direito de liberdade, então, o paciente poderá cultivar as plantas necessárias ao tratamento médico, sem que tais plantas e equipamentos sejam apreendidas, sem que ele seja “confundido” com aqueles que cultivam com finalidade diversa do uso terapêutico. Na prática, é uma garantia de que o Estado-Polícia não perseguirá o paciente com uma eventual acusação de cultivo com finalidade de tráfico, tendo em vista a comprovação de que o cultivo tem finalidade de tratamento médico.

5) Como o Estado controla esses HC’s, desde o plantio até a produção e consumo do óleo ou das flores?

Na maior parte das decisões proferidas não existe determinação de controle por parte das autoridades policiais, porque, na sua origem, o habeas corpus não trata da regulamentação do cultivo, mas da não persecução penal ao indivíduo que cultivar a substância com finalidade terapêutica, no entanto, em alguns casos, há limitação da quantidade de plantas e da quantidade do óleo.

6) O HC é permanente?

Cada ordem de salvo conduto expedida obedecerá aos critérios do pedido e às condições do paciente. Em alguns casos, há determinação de prazo para a revisão das condições médicas e legais, mas de modo geral, o salvo conduto perdurará enquanto o paciente necessitar do tratamento.

7)Em que se baseia a tese de um HC?

O HC tem como fundamentação básica a proteção do direito de liberdade, e no caso, se aplicam ainda o direito à saúde e à dignidade humana, autonomia e o direito à vida. Além disso, também reivindicamos a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas e nas excludentes de ilicitude, como exercício regular de um direito, estado de necessidade e na inexigibilidade de conduta diversa

8) No HC está especificado qual a forma de consumo da cannabis, seja óleo ou flor?

Isso é determinado pelo médico ou médica que acompanha o paciente. Vale ressaltar que nem as advogadas e advogados e nem os juízes têm o poder de dizer qual é via de administração do remédio, sendo de competência exclusiva dos médicos. Ao juiz cabe acatar e, no máximo (mesmo contra a nossa opinião), estipular a quantidade de sementes e plantas, sempre com base em laudo de profissionais competentes. Assim, nós informamos qual é a forma prescrita pelos médicos.

9) Toda forma de uso da planta pode ser considerado medicinal, ainda que a pessoa não tenha prescrição médica definida?

Nós defendemos que todo uso é terapêutico, para além de ser uma escolha do indivíduo, que não pode ser criminalizada pelo Estado. Por outro lado, há males da alma que não são diagnosticáveis pela medicina tradicional: se a pessoa fuma um baseado antes de dormir, para a ajudar a relaxar, isso faz parte de um processo terapêutico. O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking de países com mais casos de ansiedade, o brasileiro está doente, como dizer que, mesmo sem prescrição e laudo médico, nós não fazemos o uso terapêutico dessa planta?

10) O que representa essa primeira conquista do HC coletivo para o movimento em prol da cannabis?

Representa, acima de tudo, a resistência das associações e da sociedade civil frente às violações e omissões por parte do Estado! Significa, assim como cantava Planet Hemp, que a nossa vitória não será por acidente! Juridicamente falando, é um novo caminho para a judicialização do acesso à cannabis para fins terapêuticos no âmbito coletivo; demonstra ainda que as associações são um modelo viável, que podem fazer um contraponto às grandes empresas e que merecem um modelo regulatório próprio. É o começo de uma grande vitória.

11) Qual o futuro para os pacientes e os usuários em geral?

Um futuro verde! Vemos que cada vez estamos mais perto de revolucionarmos a política de drogas nacional, principalmente, no que tange à cannabis. Acho que o movimento do medicinal anda de mãos dadas com o uso adulto e que precisam andar junto com o movimento pelo desencarceramento. A tendência é que cada vez mais os pacientes tenham acesso à essa medicina e que logo os usuários em geral também possam, sem o medo de sofrerem perseguições e prisões injustas, cultivar sua maconha. Sob o ponto de vista econômico, vemos que o Brasil tem grande potencial de ser um dos principais países no mapa da Cannabis.

Cecília Galício, advogada, mestre em Direito Internacional Público pela Universidade de Lisboa. Integra a diretoria da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, conhecida como Rede Reforma, membra do Núcleo de Alcool, Outras Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, voluntária na Accura – Associação Cannabis, e integrante da RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas. Atua e é militante no campo da política de drogas e do antiproibicionismo.

Gabriella Arima, advogada, formada pela PUCSP, com extensão em política publicas também pela mesma instituição. Faz parte da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, conhecida como Rede Reforma, membra do Núcleo de Alcool, Outras Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, Promotora Legal Popular pela União de Mulheres de São Paulo e integrante da RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas. Atua e é militante no campo da política de drogas e do antiproibicionismo.

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