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O Futuro da Medicina Canábica no Brasil

É unânime entre os médicos, cientistas, pesquisadores, antropólogos, financistas, empresários e usuários que a ampliação da legalização da maconha pelo mundo é só uma questão de tempo. Afinal, os usos que se pode fazer dessa planta são tantos que constantemente diversas portas se abrem para a expansão do cenário canábico em todo o globo.

O mercado financeiro projeta um crescimento econômico exponencial para quem investir na promessa cannábica, seja no âmbito medicinal ou industrial. A Euromonitor, uma provedora de pesquisa de mercado, estima que até 2025 o mercado canábico vai crescer cerca de 1200% em todo o mundo. Ou seja, vai saltar de um movimento de 12 bilhões em 2018 para 166 bilhões em 2025. Muitas cifras em jogo.

Ainda que em alguns países, com destaque para o Brasil, o cenário político seja conservador, proibicionista e defensor da guerra às drogas, é inegável que a luta pelo acesso medicinal da erva tem ganhado amplitude nas discussões e debates nas esferas políticas e sociais.

Segundo dados de uma pesquisa realizada nacionalmente em maio deste ano pelo braço de análise de investimentos da Exame junto com o Ideia (Instituto de Pesquisa Especializado em Opinião Pública), 78% dos brasileiros disseram ser favoráveis ao uso da cannabis medicinal e 77% afirmaram que fariam uso da medicação caso fosse receitada por profissionais da área médica.

Segue link da pesquisa: https://exame-membercenter-static.s3.us-east-2.amazonaws.com/imagens/EXAME-IDEIA-PESQUISA-24-MAIO(3).pdf

Por outro lado, nos países em que a descriminalização e/ou legalização da maconha já é uma realidade, esse mercado se abre e se expande com mais facilidade. É o caso de vários estados dos EUA, do Canadá e de alguns países da Europa, onde se concentram os maiores avanços do mercado canábico.

Dentro desse crescimento, as empresas farmacêuticas são as que se destacam nas linhas de investimento canábico. No Brasil mesmo, desde que a Anvisa regulamentou a produção e a venda de produtos à base de cannabis, as empresas farmacêuticas já vislumbraram as possibilidades de se inserir nesse mercado. Mas com o fato de não se poder cultivar a planta no país, tanto as pesquisas quanto a oferta de remédios e medicamentos fica limitada. 

Saiba mais sobre mercado farmacêutico e patentes no link: https://soucannabis.ong.br/o-cenario-da-cannabis-medicinal-no-brasil-2/

Por isso, abrir espaços nas leis, resoluções e regulamentações é fundamental para que se garanta a expansão desse mercado, porém de modo inclusivo e democrático, principalmente no que diz respeito ao aspecto medicinal, com acesso desburocratizado e gratuito através do Estado.

Os Avanços Jurídicos no Brasil

Desde 2014 – quando a família de uma criança com diagnóstico de uma doença crônica conseguiu pela primeira vez no Brasil o direito de importar o óleo de cannabis para fins terapêuticos – até hoje, ainda que a passos lentos e pequenos, a legislação brasileira tem caminhado em direções que apontam para a abertura da regulamentação da cannabis no país, com foco no aspecto medicinal.

Na sequência, entre os anos de 2015 e 2016, algumas determinações judiciais ordenaram a retirada das substâncias THC e CBD da lista criada pela Anvisa de substâncias proibidas, e também a simplificação das regras para importar produtos à base de cannabis.

Foram conquistadas decisões judiciais que obrigaram o Estado a custear o tratamento com CBD e também uma liminar para evitar que os pais de uma menina de 7 anos fossem presos por cultivar maconha e produzir o óleo que é comprovadamente indispensável para o tratamento da criança. 

O primeiro precedente aberto pela Justiça para importação do óleo de cannabis para fins terapêuticos aconteceu em 2018. O remédio de cannabis não era oferecido no SUS e a Justiça determinou que os pais poderiam importar o óleo. A partir disso, abriu-se espaço para a discussão dentro dos tribunais sobre o fornecimento do CBD por parte do Estado, já que essa autorização para importação privilegia somente aqueles que têm condição de arcar com os custos.

Foram mais de 300 Habeas Corpus de cultivo conquistados nos últimos cinco anos para pessoas físicas e jurídicas plantarem maconha para fins medicinais. Obviamente, frente à crescente demanda de pacientes que escolhem a cannabis como alternativa de tratamento, esse número ainda é baixo. Por isso é preciso buscar mecanismos para expandir os horizontes do acesso e da produção de cannabis no Brasil.

Em 2019, o Superior Tribunal Federal definiu que o Estado poderia ser obrigado a garantir a medicação ao paciente que comprovasse a necessidade do tratamento e que não tinha condições e arcar com os custos. 

A Anvisa criou a Resolução de Diretoria Colegiada RDC 326 /2019, que regulamenta a fabricação, o fornecimento, a comercialização e a importação de produtos derivados de cannabis para fins medicinais. 

Desse momento em diante, os olhos dos investidores nacionais e internacionais começaram a vislumbrar possibilidades de crescimento do mercado canábico no Brasil. O clima e as terras brasileiras são propícias para o cultivo da erva.

Porém, esse aspecto também precisa ser regulamentado. A maneira como essas empresas vão entrar no país, para quem elas vão fornecer os produtos, como será a concorrência, são pontos importantes a serem discutidos, pois nesse primeiro momento é o fator medicinal da planta que está em jogo. Ou seja, produção de medicamentos e produtos à base de cannabis para pessoas que têm uma necessidade diária de uso.

O assunto mais discutido na atualidade é o polêmico PL 399/2015. Um projeto de lei que  pauta a regulamentação da produção e o acesso da cannabis medicinal e do cânhamo industrial no Brasil.

Saiba os detalhes do projeto no link: https://soucannabis.ong.br/como-esta-a-legislacao-brasileira-sobre-a-cannabiso-drama-do-pl-399-2015/

De fato, é de comum acordo entre todas as frentes ativistas da cannabis no país que o PL tem graves falhas no seu texto, principalmente no que diz respeito ao cultivo doméstico. Ele não possibilita essa modalidade, dando liberdade apenas para empresas e associações de cultivar e produzir produtos derivados. E são cobrados das associações os mesmos protocolos e medidas de controle e produção exigidos de uma grande empresa, não levando em consideração que as associações não possuem o mesmo capital e tampouco a mesma demanda de produção de uma gigante farmacêutica. 

Por abordar exclusivamente o aspecto da produção e acesso do uso medicinal da cannabis, a criminalização da planta em si não será reparada. Ou seja, a política de guerra às drogas, que faz vítimas diárias, principalmente da população preta e favelada, continuará acontecendo. 

O projeto privilegia apenas uma frente da luta, e por isso vem dividindo opiniões entre os próprios ativistas da causa. Até que ponto vale a pena aprovar um projeto que deixa tantas lacunas desse debate em aberto? Por outro lado, vale a pena deixar passar essa oportunidade de um debate histórico dentro da Câmara de Deputados e não aprovar essa Lei, que sim, vai favorecer o acesso da cannabis como medicina a milhares de pessoas?

Em todo caso, essas frentes estão se articulando ao lado dos deputados para melhorar o que for possível no texto do PL enquanto ele se encontra em discussão dentro da Comissão Especial, antes de ser levado à votação na Câmara.

Se pensarmos e compararmos o Brasil com países que já discutem, regularizaram, descriminalizaram ou legalizaram o uso da cannabis, vemos que ainda estamos muito no início dessa conversa. 

A criminalização e repressão à maconha tem quase um século de história. Foi uma construção social de cunho racista, preconceituoso, violento, dirigido a pobres e pretos, como forma de reprimir esse povo. É uma questão estratégica e de proteção do alto escalão que o racismo esteja totalmente presente nesse cenário, pois manter a planta na ilegalidade favorece o tráfico, e estando essa prática erroneamente vinculada somente ao preto, pobre e favelado, é uma forma de proteger os homens brancos, engravatados, com cargos políticos.

Encarar a questão das drogas vai muito além do proibir. Vai ao encontro das políticas públicas de segurança, de saúde, de educação, pois é justamente da proibição que nasce o tráfico. E, como consequência, tem-se um contexto de violência numa guerra infinita contra as drogas. 

Por isso, a articulação das frentes ativistas debatendo interesses democráticos de acesso à cannabis deve ser coesa e estruturada, para que se direcione as linhas de debate de modo a serem políticas inclusivas e reparatórias.

As mulheres como promessas de destaque no mercado canábico

Assim como em todos os setores da economia, as mulheres que atuam no mercado canábico ainda sofrem uma concorrência desleal, tanto salarial quanto de oportunidades. Porém, uma pesquisa quantitativa intitulada Women in cannabis – Mulheres na Cannabis (saiba mais no link: https://womenincannabis.study/) estudou mulheres cientistas, pesquisadoras, médicas e cultivadoras e constatou que a presença feminina em cargos seniors no mercado canábico é de 36% em relação aos homens, contra 21%  em outros setores da economia.

Essa visibilidade das mulheres na cena canábica vem se destacando e ganhando espaço desde quando as mães assumiram a luta pelo acesso de seus filhos à medicina canábica para o tratamento de doenças graves, crônicas e degenerativas. Fizeram isso depois de buscar exaustivamente na medicina tradicional o alívio e a qualidade de vida que só o óleo de maconha conseguiu proporcionar.

Paralelo a isso, muitas cientistas, pesquisadoras, advogadas e investidoras vêm se firmando nesse cenário. Os motivos apontados na pesquisa para esse destaque foram que as mulheres entram na indústria da cannabis por serem apaixonadas pela maconha e saberem aplicar suas habilidades com dedicação.

Uma planta cujo potencial medicinal está na sua versão feminina encontrou nas mulheres a aliança e a força necessária para abrir as trincheiras desse debate tão importante e urgente. Maconha salva vidas, recupera a dignidade e a qualidade de vida de milhares de pessoas. 

No Brasil, que conta com dezenas de associações canábicas e com uma ampla frente de luta tanto pelo acesso medicinal quanto pela descriminalização, as mulheres são a maioria dessa rede. 

A própria FACT (Federação de Associações de Cannabis Terapêutica) exige que as associações filiadas tenham no mínimo a paridade de gêneros, e algumas contam com mais mulheres do que homens. A Soucannabis é uma delas. 

Além disso, por aqui as mães também lideraram e assumiram a exposição de lutar pela saúde de seus filhos, e estão à frente do debate na esfera política. 

Cada vez mais mulheres se unem como advogadas, médicas, dentistas, veterinárias, pesquisadoras, cientistas, comunicadoras e cultivadoras para lutar contra os tabus, o medo, o preconceito e os julgamentos, pois vivenciam diariamente os benefícios da medicina canábica e entendem que esse acesso deve ser um direito de todos. Incluindo aí o direito de plantar e produzir a remédio que precisam dentro de sua casa, de forma segura e eficiente.

Se antes a maconha era associada exclusivamente ao estereótipo do maconheiro, aos poucos essa visão está mudando, pois é cada vez maior o número de pessoas que faz uso da cannabis para tratamento de diversas doenças. Muito se deve a essas mães e mulheres que assumiram essa frente de luta. Porém, é inegável a importância dos ditos “maconheiros” que mesmo na ilegalidade mantiveram seus cultivos, aprimoraram as técnicas de plantio e puderam assim ensinar essas mães – e também as associações – a plantar e a produzir o óleo. 

Forma-se então uma rede coesa e estruturada pela luta da medicina canábica, mas que ainda está no início da sua jornada. Há muitas batalhas a serem vencidas. 

No momento, o PL399/2015 é a mais expressiva delas, e há muitas mulheres envolvidas nessa causa. 

As ações da SouCannabis

O cenário da ilegalidade da medicina canábica no Brasil impulsionou a criação de dezenas de associações de cannabis terapêutica. Essa foi a estratégia encontrada pelos pacientes, familiares de pacientes e demais pessoas envolvidas para se unir em defesa dessa causa: o direito do uso de cannabis para tratamento.

No aspecto jurídico, formalizar uma associação permite que se possa reivindicar de forma legal o direito de uso da cannabis como medicina, incluindo o plantio e a produção do remédio.

Talvez esse seja o único aspecto positivo dentro do contexto de um país atrasado mais de 20 anos em relação a diversos outros países pelo mundo, que já regularizaram o acesso medicinal ou legalizaram a maconha em si.

Além disso, as associações são importantes ferramentas para reunir pessoas numa mesma causa, fortalecer o debate, difundir o conhecimento sobre a cannabis e seus benefícios, desmistificar os tabus e os preconceitos e ser agentes políticos na busca pelo direito à saúde e à qualidade de vida assegurados pela Constituição brasileira.

A SouCannabis é uma das associações fundadas no Brasil esse ano. Atualmente são mais de 400 pacientes atendidos por um time de profissionais especializados em cannabis formado por médicos, veterinários, psicólogos, naturólogos, terapeutas, assistentes sociais, advogados, comunicadores e agrônomos, que juntos fazem o acompanhamento completo – do diagnóstico até a orientação de como conseguir a medicação.  

Além disso, a SouCannabis fortalece a luta oferecendo cursos e espalhando informação e conteúdo de qualidade, pautado na verdade, para desmistificar os mitos e o preconceito em torno da planta.

É preciso coragem para enfrentar uma sociedade preconceituosa e atrasada no que diz respeito aos benefícios que maconha traz (seja no seu aspecto medicinal ou no industrial) e que se reflete diretamente na saúde e bem-estar das pessoas e na economia do país.

A maconha, cannabis, ganja, marijuana, seja qual for a denominação, é uma planta. Que foi demonizada para favorecer interesses milionários relacionados à manutenção do tráfico e da guerra às drogas. 

Resgatar sua essência medicinal e suas diversas aplicações na produção da indústria é reconhecer e valorizar o que populações já sabiam há milhares de anos. O uso da planta em diversas aplicações, inclusive medicinal, é mencionado ao longo da história da humanidade, seja na Ásia, no ocidente ou no oriente. Se hoje, principalmente no Brasil, os holofotes em torno da planta estão direcionados ao seu aspecto medicinal, que este seja então o ponto de partida. A luta está apenas começando. 

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