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Cannabis no Brasil

Quais as perspectivas para 2022?

Falar de cannabis no Brasil já não representa um assunto totalmente contrário ao interesse do brasileiro, afinal, segundo aponta uma pesquisa realizada pela Exame/Ideia.

78% dos cidadãos e cidadãs são a favor do uso medicinal da planta. Esse número se mantém expressivo independente da posição política, religiosa ou social.

Além disso, a procura pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para autorizar a compra de produtos derivados de cannabis teve um aumento de mais de 2.400% em seis anos, o que representa uma média de 400% ao ano. 

Houve um salto de 896 solicitações em 2015 para 22.028 pedidos até setembro de 2021. A ansiedade e o stress sofrido por muitos durante a pandemia contribuíram significativamente para esse aumento. Muita gente passou a usar o tal CBD para controlar as crises.

Diante desses números que se mostram favoráveis aos olhos de quem defende a planta,o que podemos esperar do cenário da cannabis no Brasil de 2022?

Quais as perspectivas políticas para a sua regulamentação e para o mercado legal?

Como empreender com cannabis no Brasil?

E principalmente, como ser ativo nesse processo de descriminalização?

Cannabis Medicinal

A popularização da cannabis enquanto via de tratamento vem ganhando força no Brasil. Hoje em dia, pesquisadores, médicos e cientistas reconhecem que o principal desafio não é mais comprovar a eficiência medicinal da planta, pois é crescente o espectro de patologias que são absolutamente tratáveis com a cannabis. 

O maior desafio está em informar esses avanços, para que as pessoas tenham conhecimento de seu potencial.

Segundo Carolina Nocetti, médica e consultora técnica em terapia canabinóide, o ecossistema da cannabis no Brasil vem se consolidando e crescendo constantemente.

“Cada vez mais médicos procuram especialização para serem prescritores, ainda que sejam poucos no Brasil. As pesquisas estão evoluindo. Muitas instituições e universidades têm investido na ciência, com destaque para a Universidade Federal da Paraíba, Federal de Santa Catarina e Minas Gerais. Ainda que em números as pesquisas no Brasil sejam menores do que em outros países, há investimento neste setor”.

Para entender mais sobre como esse cenário medicinal vem ganhando força no Brasil, apesar dos tabus e preconceitos que ainda existem, nós produzimos uma série de reportagens que ilustram essa trajetória. Clique aqui para saber mais.

Associativismo

Um dos principais diferenciais do Brasil na luta pela regulamentação e legalização da cannabis está na formação de associações de cannabis terapêutica, que são grupos de pessoas que articulam possibilidades de garantir o acesso à cannabis de forma justa e para o maior número de pessoas possível. Como a SouCannabis

Ao total são mais de 50 associações regulamentadas e elas não param de surgir.

Essa realidade motivou em 2021 a criação da FACT (Federação de Associações de Cannabis Terapêutica) para ser um ponto de conexão desses grupos de modo a fortalecer essa rede. 

Hoje a FACT conta com 36 associações inscritas que atendem mais de 30 mil pacientes.

“Semear a criação de novas associações é super importante, pois elas facilitam o laço entre o paciente, o médico e o acesso à medicação de qualidade vinda de pequenos produtores. Fortalecer esse setor é uma forma de combater a indústria farmacêutica que olha apenas para o potencial lucrativo da planta, enquanto as associações cuidam do pacienteeda origem e qualidade dos produtos”, esclarece Fernando da Silva, coordenador institucional da FACT em entrevista no Portal Brasil 247.

Dentro do movimento cannabico, as associações têm a responsabilidade de distribuir de forma justa, solidária e equitativa a riqueza proveniente da cannabis. 

Por isso, para as pessoas que procuram iniciar esse tipo de tratamento, recorrer a uma associação como ponte entre o paciente e o prescritor é um caminho seguro, mais acolhedor e humanizado.

Para saber detalhes sobre a FACT acesse o link.

Regulamentação 

Atualmente, o PL 399/2015 prevê a regulamentação da comercialização de medicamentos à base de cannabis, do cultivo por pessoas jurídicas (seja para a pesquisa, produção de medicamentos ou remédios artesanais) e da produção industrial de cosméticos e alimentos. 

Em 2021 o PL foi aprovado pela comissão especial formada em 2019 para debater o texto na Câmara dos Deputados e deveria então seguir diretamente para o Senado Federal para discussão e votação. Um grupo de deputados apresentou recursos obrigando a votação acontecer no plenário.

Por ser um ano eleitoral, não há grandes expectativas de aprovação agora em 2022, pois além de ser um assunto que divide opiniões, inclusive entre os ativistas e defensores da legalização, a base aliada do governo é contra e espalha mentiras de que o PL irá legalizar a maconha no Brasil. Ou seja, um contexto instável para esse tipo de discussão.

O projeto não trata do autocultivo, do uso social, ritualístico ou religioso da planta, nem propõe uma reparação histórica à população vítima da guerra às drogas  (negros e periféricos em sua maioria), sendo esses pontos os mais criticados pelo movimento pró-legalização. 

Entre os ativistas moderados e com foco no acesso à cannabis medicinal, o argumento é que mesmo diante das falhas, o PL é o  caminho que nos foi aberto para termos uma lei que defenda o direito dos pacientes de poderem se tratar com cannabis de forma facilitada, seja através da indústria farmacêutica ou das associações. Saiba os detalhes dessa história no link.

Enquanto o projeto não caminha, a Anvisa criou em 2019 a RDC 327 que determina os procedimentos da autorização sanitária para fabricação, importação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos à base de cannabis para fins medicinais. Por isso, hoje temos 4 produtos com venda autorizada em farmácias e uma lista de outros produtos pedindo análise para essa autorização.

Fato importante é que esse ano vence o prazo previsto para revisão desta RDC.

“O risco que temos hoje é que todo mercado normatizado dentro do Brasil com relação a cannabis está amparado por duas RDCs a 327 e a 335.além de pequenas alterações. Então, se o presidente da Anvisa decidir revogar essas RDCs passamos a não ter operação com produtos à base de cannabis no país. Ou seja, são duas resoluções da Anvisa que normatizam todas as operações de cannabis no Brasil, um cenário frágil e ameaçador para o empreendedorismo”, pontua Leonardo Navarro, advogado especialista em direito médico e da saúde.

Habeas Corpus

Nos últimos três anos foram significativas as conquistas de Habeas Corpus de cultivo concedidas pelo Judiciário, são mais de 300 permissões de plantio caseiro para pacientes que comprovaram necessidade de uso da planta para sua qualidade de vida.

“Existe uma independência de ação do Judiciário, por isso há situações conflitantes em decisões que concedem o HC e outras que negam. O que eu venho observado é que o Ministério Público oferece recursos para que essa discussão chegue ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que é a instância final. Nesse setor há pessoas que entendem que por existir o acesso ao medicamento, seja por farmácias, associações ou importação, não se justifica emitir o HC de cultivo por paciente. Este é um ponto da discussão que devemos estar atentos esse ano”, analisa Leonardo Navarro.

De qualquer forma, quando se fala em acesso, o judiciário no geral tem favorecido os pedidos de medicamentos, seja pelo SUS, planos de saúde, HCs coletivos (pelas associações) ou individuais.

Empreendedorismo

O mercado que se forma com a expansão  e emancipação do uso da cannabis é gigante e promissor em qualquer lugar do mundo. Todos os países que enfrentaram as distopias que esse assunto apresenta e assumiram sua legalização, seja no uso medicinal, recreativo ou religioso, hoje lidam com números vantajosos para sua economia.

Segundo dados da Kaya Mind, empresa especializada em apurar dados e informações do mercado cannabico, a expectativa é que até 2025 o mercado nacional movimente R$ 9,5 bilhões, ou seja, uma série de produtos e serviços vão compor essa rede, por isso, as promessas para quem deseja empreender neste mercado são favoráveis.

 “Se o PL for aprovado, o Brasil vai viver uma enorme ‘revolução verde’, encabeçada pelo plantio do cânhamo, cujos fins industriais atende mais de 15 ODS (objetivo de desenvolvimento sustentável) da ONU ”, revelam Danila Moura e e Katia Cesana, criadoras da Xah com Mariaz, Editech que facilita o empreendedorismo feminimo no mercado cannabico.

A previsão da movimentação financeira no mundo vindo da cannabis ultrapassa os 50 bilhões de dólares até 2026.

Com isso crescem as ofertas de empregos e possibilidades de dar os primeiros passos nesse setor, além da arrecadação de impostos. Estima-se que num cenário legalizado, o Brasil poderia recolher cerca de R$ 5,6 bilhões em tributos e abrir mais de 300 mil vagas de empregos. 

Mesmo diante de números tão motivadores para quem deseja empreender com cannabis no Brasil, o fato é que as possibilidades não são igualmente distribuídas entre  homens e mulheres.

Até 2019 as mulheres estavam ganhando espaço nesse setor da economia. De acordo com uma pesquisa do Marijuana Business Daily elas representavam 37% dos cargos executivos da indústria da cannabis, ou seja, um terço da liderança desse mercado.

Em 2021 esses números começaram a cair e chegou à marca de 29%.

“O jogo virou de forma abrupta e dolorosa. Resultado: conforme a indústria canábica enriquece e mais estados regulamentam, proporcionalmente, a presença delas em papel de destaque diminui”, explica Kátia Cesana.

Outro ponto decisivo para essa queda é que notoriamente as mulheres são menos valorizadas e mais desacreditadas quando se fala de investimento.

“A maioria dos venture capital e congêneres são dominados por homens, situação que se reflete no alto índice de investimento preferencial para empresas masculinas”, pontua Danila Moura.

Conforme a cannabis foi ganhando força e números no mercado, os grandes players empresariais foram tomando espaço e as mulheres foram sendo espremidas até saírem de cena.

“Um dado assustador que mostra o tamanho do drama é que, em 2020, conforme um levantamento do Crunchbase, o ecossistema geral de startups na América Latina, canábicas ou não, recebeu US$ 4.4 bilhões de dólares. Praticamente nenhuma startup fundada só por mulheres recebeu investimento em 2020”, destaca Danila.

Portanto, mais que ter um mercado aberto para se empreender é preciso que seja um espaço de atuação democrática para todos que tenham ideias e projetos com cannabis.

Cannabis para todos

Sem dúvida, a cannabis é a planta mais estudada e pesquisada desde sua existência. Como disse André Barros, advogado antiproibicionista e um dos criadores da Marcha da Maconha, a cannabis é chamada de Rainha dos Vegetais.

Sua versatilidade de aplicação, tanto para tratamento de doenças quanto na criação de produtos de diversos segmentos: têxtil, construção civil, alimentação, cosméticos fazem dela um vegetal único.

Ao tempo que é rejeitada, por conta de todos os preconceitos e tabus criados em torno dela, é cobiçada diante de suas possibilidades econômicas.

Por isso, o foco daqueles que lutam pela descriminalização e legalização da cannabis é que de fato a planta seja acessível a todos, sem distinção racial, social ou religiosa.

No cenário mundial, temos um número expressivo e cruel de pessoas que foram condenadas e mortas pela política de Guerra às Drogas,  isso implica num modelo de legalização que faça uma reparação histórica à essas vítimas, tornando-as ativas nesse processo, com possibilidade de serem pacientes, consumidoras, empreendedoras, pesquisadoras, cultivadoras.

“Até hoje não existe no mundo nenhum modelo de legalização que tenha sido feito com justiça social, ao contrário, são feitos para favorecer as grandes corporações. Por isso, as atitudes que devemos ter em prol da legalização devem ser no sentido de cobrar posicionamento político, estar atento em quem se vota e principalmente, listar toda a cadeia produtiva em torno da cannabis para saber como vamos atuar nela da maneira mais saudável, mais justa e solidária possível”, explica Luna Vargas, educadora cannabica atuante no mercado cannabico do Canadá.

No Brasil, estamos na transição entre a ilegalidade e a legalidade, mas existe um longo processo de adaptação.

É preciso combater o preconceito com informação e as grandes corporações com novas estratégias de mercado. 

“Politicamente temos que cobrar que a pauta cannabis esteja nos debates das eleições esse ano. Precisamos de pessoas com conhecimento, engajadas e unidas”, defende André Barros.

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