Em 2023, o movimento no Brasil completa 21 anos de mobilização e a agenda das marchas pelo país vai até novembro.
A marcha da maconha tem uma história marcada por uma luta constante pela descriminalização e legalização da maconha. São manifestações públicas e pacíficas onde os participantes se reúnem para reivindicar mudanças na políticas de drogas.
Há registros históricos que contam que a primeira formação da marcha foi em 1972 na cidade de Amsterdã, na Holanda. Há também menções que a origem do movimento foi em 1994 na cidade de Nova York, nos EUA.
Independente de quem tenha dado o primeiro passo da marcha, o que engaja esse coletivo é a luta antiproibicionista, chamando a atenção da sociedade para os efeitos nocivos da guerra às drogas.
Fato é que desde que começou, diversos países pelo mundo passaram a aderir e a organizar o movimento em cidades espalhadas pelo globo, entre eles: África do Sul, Austrália, Canadá, Cabo Verde, Chile, Estados Unidos, Equador, Filipinas, França,, Itália, Jamaica, Japão, Lituânia, México, Rússia, Turquia, Uruguai, Vietnã e muitos outros.
A Marcha da Maconha no Brasil
No Brasil, a primeira Marcha da Maconha aconteceu em 2002 na cidade do Rio de Janeiro, um dos estados recordista em invasão policial nos morros e favelas e que acontece de forma violenta e truculenta.
Essas invasões se configuram como ações de extermínio, principalmente de pessoas pretas, fazendo vítimas inocentes, inclusive crianças, mas sem conseguir acabar de fato com o tráfico e tão pouco com as drogas.
A iniciativa dos cariocas mobilizou a formação de outros grupos pelo Brasil afora em diversas outras cidades. Hoje, estima-se que cerca de 35 cidades organizam o movimento.
“O Rio de Janeiro é pioneiro na realização da Marcha da Maconha, a primeira foi organizada em 2002 por uma turista portuguesa chamada Suzana Souza, em sintonia com um movimento mundial iniciado em Nova York nos anos 2000, propondo realizações da Million Marijuana March mundo afora no primeiro sábado de maio. Ela agitou a divulgação através de sedas Colomy que foram carimbadas e distribuídas na night e na praia fumeta. Foi um sucesso, deu umas mil pessoas e gerou muita mídia negativa, com reportagens dizendo que a Polícia Civil fotografou e iria identificar todas as pessoas que foram à Marcha e iria processá-las por apologia (o que nunca ocorreu)”, recorda Matias Maxx, um dos organizadores da Marcha do Rio
Como começou a probição da maconha no Brasil
A proibição do uso da maconha está diretamente relacionada com a opressão do povo preto desde os tempos da escravidão.
Eles que trouxeram da África a erva que normalmente faziam uso em seu país de origem e como eram os maiores consumidores da planta, rapidamente esse consumo passou a ser criminalizado sob uma atitude racista.
Não havia embasamento científico que associace o uso de maconha com malefícios à saúde, afinal, a planta era, inclusive, indicada por médicos como forma de tratar doenças e era vendida nas farmácias.
Mas, a cidade do Rio de Janeiro, que teve a maior população escravizada do Brasil, criou em 1830 a primeira lei nacional que proibia o uso da erva, a chamada Lei do Pito do Pango,
“Deste modo, identificamos que as raízes da criminalização da maconha no Brasil estão indiscutivelmente ligadas à diáspora africana … No mesmo ano em que o primeiro código penal entrou em vigor, o Brasil foi o primeiro país do mundo a editar uma lei contra a maconha: em 4 de outubro de 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro penalizava o ‘pito de pango’, denominação da maconha, no § 7º da postura que regulamentava a venda de gêneros e remédios pelos boticários: É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia”, trecho do artigo – Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas de André Barros e Marta Peres.
A Marcha como construção de uma nova política de drogas e de transformação social
“A Marcha da Maconha é o principal movimento de desobediência civil do país. Lutamos pela legalização das drogas, mas também pelo direito de existir. A Marcha de SP há 15 anos faz parte de um movimento de transformação cultural (não necessariamente legal ou política) do entendimento social sobre as drogas. Atualmente, não se fala sobre usuários e sobre drogas como no nosso nascimento, e muito disso é graças à Marcha, um dos maiores movimentos sociais do Brasil”, defende o coletivo da Marcha da Maconha de São Paulo.
Ao criticar e defender a reforma da política de drogas do Brasil, a marcha traz à tona questões sociais importantes que precisam de atenção.
O proibicionismo recai principalmente sobre uma parcela da população, os pretos e pretas moradores das favelas e periferias, local onde as drogas são distribuídas.
Porém, o ataque direto a esses locais não implica no combate às drogas, mas reforça um sistema racista acentuando a desigualdade social que assola o país desde a colonização.
“A marcha da maconha faz diálogo direto com a favela. Pauta o encarceramento em massa, o fim da guerra às drogas e defende a liberação de todos os usos da erva. Isso atravessa muitas vidas”, reforça Elayne Carvalho do coletivo da Marcha da Maconha de Fortaleza.
O debate em torno da legalização ganha cada vez mais espaço na sociedade impulsionado por evidências científicas, experiências internacionais e a crescente demanda por uma política mais humana e eficaz em relação às drogas.
Do crime de apologia à liberdade de expressão
A Marcha da Maconha no Brasil enfrentou grandes desafios. Desde o início os manifestantes eram frequentementes reprimidos pelas autoridades, com alegações de apologia ao uso de drogas.
A partir de 2008, quando o movimento expandiu-se para diversas cidades pelo Brasil, muitos participantes foram presos e processados, o que gerou debates sobre liberdade de expressão e criminalização dos usuários.
A ação truculenta da polícia repercutiu internacionalmente e foi duramente criticada por setores da sociedade e movimentos sociais, que a viram como uma violação da liberdade de expressão.
A persistência dos ativistas e o fortalecimento do movimento levaram a importantes conquistas.
Em 2011 o STF (Supremo Tribunal Federal) passou a reconhecer a Marcha da Maconha como uma manifestação legítima de liberdade de expressão, garantindo o direito dos participantes de se manifestarem pacificamente, a partir da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 18.
“Antes dessa decisão do STF sempre tinha algum operador do direito que aparecia com uma liminar de última hora dizendo que a marcha era apologia às drogas. Soltavam essa liminar na sexta à noite para proibir a marcha no sábado. Aí chegava a polícia com o papel na mão dizendo que não ia ter marcha. Aqui em BH (Belo Horizonte) a gente sempre negociava de modo a não ter conflito. Na segunda-feira a liminar sempre caía porque era ridícula e afrontava o direito de expressão. A ADPF veio pra resolver isso, que não acontecia só em BH. Em outros lugares, como São Paulo, teve pancadaria, gás lacrimogênio, confronto com a polícia. Aqui nunca chegou isso, mas a gente acabava abrindo mão de várias coisas pra marcha acontecer”, contam representantes do movimento da Marcha de Belo Horizonte.
Essa decisão do STF foi fundamental para validar e expandir a Marcha para várias cidades do Brasil e o público passou a se diversificar: usuários, ativistas, pesquisadores, profissionais da saúde, pacientes, advogados e todo tipo de pessoa interessada na reforma da política de drogas aderiram ao movimento.
Mesmo assim, até hoje a Marcha da Maconha enfrenta resistência por parte de setores conservadores da sociedade, que ainda consideram a manifestação como apologia.
Algumas cidades, como Campinas e Sorocaba, no interior de SP, sofreram em 2023 a tentativa de proibição vinda de vereadores e do prefeito das cidades. Mas a decisão do STF prevaleceu e as Marchas aconteceram.
“A marcha da maconha é uma grande rede social”
Uma das ativistas da Marcha de SP, Diva Sativa, define o movimento como uma grande rede social, afinal muitas pessoas se conhecem e se conectam para potencializar a construção de estratégias que vão muito além da Marcha, como: educação, divulgação científica, articulação política e organização social, que são apenas alguns dos efeitos sociais do movimento.
“Eu como jovem da periferia posso afirmar que nós não somos estimulados a participar da vida política do país, a ter uma visão crítica, a saber fazer uma análise de conjuntura, a conhecer outras realidades deste país tão grande. A gente não tem esse estímulo, por isso, para muitos de nós, a Marcha é a primeira organização política que participamos. Algo que promove o debate, a informação e se torna um espaço legítimo para que o jovem negro períferico possa fazer uso de um direito, que é a liberdade de expressão, para lutar pelo direito à vida. Os coletivos da Marcha são espaços acolhedores e de educação social e política e não um espaço de apologia ao uso de drogas, ainda que nossa luta seja pela legalização”, aponta Diva Sativa, uma das organizadoras da Marcha das Favelas de SP.
No Brasil, o movimento continua ganhando força, pois reúne cada vez mais pessoas e segue ampliando o debate sobre a legalização da maconha e de outras drogas.
Traz à tona argumentos relacionados aos benefícios medicinais da planta e seu potencial econômico como fonte de arrecadação de impostos, capaz de injetar dinheiro no país.
Mas, o que movimenta de fato esse coletivo de pessoas é o discurso sobre a importância da legalização para a redução dos danos causados pela guerra às drogas.
Apesar da legalização ainda ser um sonho, a Marcha da Maconha caminha a passos largos e consolidados para promover o debate público com informação e consicientização sobre a importância de mudar a política de drogas no Brasil, algo que já vem ganhando espaço em diversas cidades do mundo.
Essa pressão popular tem levado essa pauta para a agenda política nacional, tanto que o STF já tem em andamento desde 2015 o Recurso Extraordinário 635659, que trata da descriminalização do porte de drogas pelos usuários, para ser votado no dia 21 de junho.
No aspecto medicinal, dezenas de cidades do Brasil já estão adotando leis para garantir o acesso ao tratameto da cannabis pelo SUS. Ou seja, para quem tem indicação clínica a planta já está legalizada e muitas pessoas munidas de ações judiciais podem, inclusive, plantar em casa.
Diante desse cenário atual, o que impede a legalização do dito uso recreativo, seja na compra direto no varejo ou da liberação do plantio? Há interesses econômicos e políticos que regem essa estrutura proibicionista.
“É importante deixar claro que todo esse movimento acontece de forma autônoma. Somos um coletivo independente. A Marcha da Maconha não tem financiamento de empresas ou de marcas. Tudo que fazemos é sem nenhum tipo de contrapartida. Quem atua na organização dos coletivos é a favor da luta pela legalização e pelo fim da guerra às drogas. São pessoas que doam seu tempo e seu conhecimento para fazer essa história acontecer. Para arrecadar fundos, vendemos camisetas, fazemos festas, eventos, vaquinhas e rifas virtuais. Tudo que arrecadamos é direcionado para os coletivos e para os projetos de apoio”, reforça Diva Sativa.
Gostei!
O presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, está propondo que posse de qualquer quantidade de cannabis seja criminalizada. O que ele quer é acabar com as cracolândias, jogando milhares de pessoas nas cadeias e penitenciárias. Pachequinho só pensa nas próximas eleições em Minas Gerais. Dificuldade de voto popular dá nisso: põe todas as cracolândias nas jaulas, Pacheco..
Vai nessa Pacheco, prende o povo pobre e preto por causa de um baseado.
Jamais conseguirá acabar com a “Cracolândia” com repressão. Já está mais do que óbvio que esse tipo de política só aumenta a criminalidade e não reduz o uso de qualquer substância. A política de Guerra às Drogas é um verdadeiro fracasso.