Um futuro promissor. Mas, nem tudo são flores.
Como estão as mulheres no mercado da cannabis? Embora o mercado cannabico seja dominado por homens, há uma quantidade considerável de mulheres que amam maconha e que estão transformando a forma como o mundo vê a erva.
De acordo com uma pesquisa de 2019 do Marijuana Business Daily, 37% dos cargos executivos da indústria da cannabis são das mulheres, ou seja, elas representam um terço da liderança desse mercado. Essa classificação é superior à média nacional em outros negócios liderados por mulheres, que é de 21%.
“O empreendedorismo feminino aumentou no Brasil mais de 40% no último ano, principalmente por conta da pandemia, e o mercado da cannabis é uma excelente oportunidade para acolher mulheres que se identificam com essa causa, já que no país estamos na fase embrionário desse ramo”, explica Danila Moura, jornalista da Start Up de empreendorismo feminino cannabico, Xah com Mariaz.
As dificuldades que elas enfrentam
Apesar de ser um dado promissor, ainda há muito o que lutar para que de fato esse seja um negócio igualitário entre o gênero feminino e masculino, afinal, as mulheres enfrentam uma série de desafios para alcançar espaços de valorização e reconhecimento.
“O mercado da cannabis carrega uma carga muito pesada, pois como na maioria dos países a cannabis ainda é ilegal, seja o que for ser empreendido no mundo cannabico existe uma carga de preconceito muito grande pra ser combatida, além de lidarmos com o fato de que existe um machismo predominante nesse setor”, revela Adriana Marques, cannabicultora, co founder e Global CMO do grupo Green United.
Analisando por esse aspecto, o que se apresenta é que as mulheres continuam enfrentando desafios que tornam a sua trajetória no mundo profissional mais difícil e desigual. Os salários são menores para elas mesmo ocupando o mesmo cargo de um homem, é sempre preciso provar mais conhecimento, são mais questionadas, julgadas e desvalorizadas nos mesmos espaços de trabalho.
“Eu estou no Canadá desde 2018 e muitas vezes tive vontade de desistir, tamanha as dificuldades que enfrentei para conquistar o espaço e representatividade que tenho hoje. Parece que a nós é destinado um limite de ascensão, para ultrapassar somos muito mais cobradas”, destaca Luna Vargas, educadora cannabica no mercado legal do Canadá e na Inflore, empresa de formação de consultores cannabicos no Brasil.
As promessas financeiras desse mercado
A movimentação financeira do mercado da cannabis no mundo deve ser de 194 bilhões de dólares até 2026, conforme o relatório do Banco de Montreal. Para o Brasil, um levantamento da New Frontier Data e The Green Hub mostra que o mercado de cannabis medicinal deve movimentar 4,6 bilhões de reais até o final deste ano.
Os investidores estão de olho na indústria cannabica, já que até 2026 a estimativa é que o mercado global tenha uma taxa de crescimento anual de 32,92%, ou seja, 90 bilhões de dólares.
Cerca de 1,2 bilhão de pessoas no mundo sofrem de doenças tratáveis com medicamentos à base de cannabis, além da crescente aceitação de produtos cannabicos para outros fins, como os comestíveis ou cosméticos.
Segundo dados da New Frontier Data, nos EUA, por exemplo, 45% das mulheres consomem cannabis para diminuir o estresse, 38% para ansiedade e 31% para controle de dor crônica. No total, as mulheres são responsáveis por 59% do uso de CBD nos EUA.
Elas também são as maiores consumidoras de cosméticos à base de cannabis. Somente esse setor da indústria vai movimentar 3,48 bilhões no mundo até 2026. É o que revela um relatório da Allied Market Research.
Ainda que no Brasil o uso de produtos de cannabis sejam autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) somente para fins medicinais, esse mercado também é uma promessa no país, já que é cada vez maior o número de pessoas que buscam tratamento com a planta. Até 2019 foram 10862 pedidos na Anvisa, em 2020 foram 26885. O total de médicos prescritores hoje é 70% maior que em 2019.
Isso reflete que aos poucos as pessoas estão se interessando pelo aspecto medicinal da cannabis, por isso, apostar nesse mercado indica bons resultados num futuro próximo.
Brasileiras cannabicas pelo mundo
Por ser um mercado que ainda está em formação no Brasil, existem várias categorias de atuação nesse segmento e que não estão diretamente ligadas à produção ou à venda de produtos.
“Hoje no Brasil existem vários caminhos para as mulheres empreenderem no mundo cannabico. A regulamentação do mercado medicinal já possibilita algumas atuações, pois já tem empresas operando e existe um ecossistema de produtos e serviços que compete a esse setor, como contabilidade, marketing digital, design de produtos. Claro que é preciso pesquisar, estudar, identificar onde estão as possibilidades, mas é um caminho possível, até antes da legalização no Brasil”, pontua Danila Moura, da Xah com Mariaz.
Mesmo diante das dificuldades, já existem brasileiras que estão trabalhando no mercado cannabico tanto no país, como pelo mundo.
São ativistas, pesquisadoras, jornalistas, cultivadoras, educadoras, empreendedoras, médicas, terapeutas, que estão conquistando seus espaços com muito empenho e comprometimento.
Com um olhar diferente sobre a causa, elas encaram essa luta com sensibilidade, pois entendem os benefícios que essa planta traz pra vida das pessoas.
“Empreender com cannabis não é uma escolha fácil, tem seus riscos, mas tem uma potencialidade tão grande que motiva. O potencial da cura, o aspecto terapêutico, quem já viu alguém sair de estado de doença crônica e começar a ter saúde e qualidade de vida por conta da cannabis fica realmente tocado, tudo isso é muito impactante. Eu fico arrepiada por trabalhar com algo que me toca tanto”, revela Maria Eugênia Riscala, CEO e co-fundadora da Kaya Mind com seis anos de experiência no mercado cannabico.
Mulheres apoiando mulheres no processo de reparação histórica
A origem de todo o preconceito que se tem em torno da planta está na criminalização que foi colocada sobre ela desde que passou a ser proibida. O caminho ilegal da cannabis passa a ser traçado pelo mundo e a mídia a defender a imagem da erva associada à violência, e que proibi-la, é uma forma de controle social, principalmente do povo preto, que fazia uso da planta desde os tempos da colonização.
Até hoje, a política de combate às drogas do país, continua apoiando essa segregação racial e perseguindo a população preta e periférica violentamente, promovendo de forma assistida o genocídio dessa população.
“Quando se fala que o mercado da cannabis está começando no Brasil não penso que seja assim, pois a erva já foi legal, já foi vendida nas feiras. Mas no momento em que ela passa a ser proibida quem sofre as consequências são os corpos pretos, que continuam marginalizados e morrendo nas favelas, seja no tráfico ou no combate ao tráfico, sendo que o tráfico é a forma que crianças, jovens e adultos conseguem sobreviver. Se não pensarmos em uma regulamentação e na legalização da cannabis sem fazer essa reparação histórica, nós vamos continuar vivendo uma realidade onde tem o grupo de pessoas que vai morrer e o grupo de pessoas que vai viver. Onde teremos o grupo de pessoas que vai ter acesso a cannabis medicinal e o que não vai. Por isso, quando se olha para esse mercado promissor da cannabis para as mulheres, aquelas, que mesmo diante das dificuldades que enfrentam conseguem empreender, que na maioria são brancas e privilegiadas, que possam dar espaço e oportunidade para mulheres negras e em vulnerabilidade”, apela Monique Prado, integrante do portal Cannabis Monitor e assessora parlamentar na área de política de Drogas (ALERJ).
Por outro lado, as empresas que são geridas por homens, na sua maioria preferem não associar a imagem da empresa a esse tipo de discussão.
“No mercado cannabico que está se formando, é muito comum vermos os grandes empresários, detentores do capital, que estão atuando com maconha, se absterem de qualquer discussão política sobre reparação histórica e guerra às drogas, para eles cannabis é negócio e se associar a esse tipo de debate pode comprometer os números da empresa. Sendo que, não há como pensar numa legalização, regulamentação sem que essa pauta faça parte dos projetos de política pública e eu vejo as mulheres mais sensíveis e dispostas a isso”, conclui Danila Moura da Xah com Mariaz.
Caminhos para legalização no Brasil
Além de introduzir a pauta da reparação histórica para a construção de uma nova política de drogas e que esteja alinhada com o processo de legalização, existem outros pontos importantes a serem pensados para que essa conquista seja mais justa e acessível.
Saiba mais sobre o PL399 em nosso post “Como está a legislação brasileira sobre a cannabis? O drama do PL 399/2015“
Para Bia Navarro, educadora canábica, consultora de bem estar e co-founder Planta Solutions, que acompanhou a legalização da cannabis na Califórnia desde 2016, uma das propostas para que o processo de legalização no Brasil seja mais eficiente é que seja feito de forma gradual,
“primeiro ponto é listar todas as pessoas que já realizam algum tipo de trabalho com a cannabis para que elas sejam inseridas no mercado de forma justa e competitiva com as grandes empresas. Além disso, ter cotas sociais, para que não apenas empresas milionárias tenham condições de estar nesse mercado e que as multinacionais que já estão chegando no Brasil, tenham um fundo social para ajudar no crescimento do país sem ser de forma exploratória”.
É preciso também quebrar o estigma de que a indústria da cannabis está vinculada à indústria farmacêutica.
“A indústria da cannabis não é a indústria farmacêutica, por isso é importante ter uma cena da indústria cannabica no Brasil, com outras indústrias além da farmacêutica atuando, pois o que temos visto na América Latina inteira é que as leis, a política e o governo estão entregando a indústria da cannabis exclusivamente à farmacêutica, que tem dinheiro para atuar. Se for assim, só existirão produtos nas farmácias? Quem vai informar sobre a cannabis, as farmácias? O Brasil foi o único país que regulamentou a importação de insumos de cannabis antes de ter um mercado interno, ou seja, o mercado cannabico no Brasil está sendo dominado por indústrias de fora”, questiona Luna Vargas, educadora cannabica residente do Canadá.
Como uma forma de enfrentar essa realidade, em que a indústria farmacêutica vem dominando o cenário de negócios no país, é preciso se apoiar em informação e conhecimento para enfrentar o preconceito e juntar forças, principalmente entre as mulheres, cada uma com sua habilidade para que os benefícios da cannabis sejam acessíveis ao maior número de pessoas.
“A minha visão de empreendimento é poder dar oportunidade para outras pessoas trabalharem e ser inspiração. É criar uma rede de apoio entre tantas mulheres que querem explorar esse mercado, mas de forma diferente, mais justa e que acolha o maior número de pessoas possível”, compartilha Bárbara Arranz, biomédica, pós graduada em pesquisa e desenvolvimento de cosméticos, pioneira no mercado da cosmetologia cannabica no Brasil. Fundadora da Linha Canabica da Bá.
A informação como pilar da transformação
Os resultados que as pesquisas e os estudos apresentam sobre a eficiência da cannabis no organismo humano endossam o quanto a planta é necessária, não só no aspecto medicinal, mas nos mais diversos ramos da indústria.
Hoje em dia, o maior desafio do mercado cannabico, principalmente no Brasil, está na luta contra o preconceito. Está na informação que deve ser clara para alcançar o maior número de pessoas e quebrar os tabus que criminalizam a planta.
Todo e qualquer espaço de poder que a mulher conquista, seja nas universidades, nas mídias, nos cargos de trabalho, pode e deve ser palco para levar conhecimento e informação. E também nesse aspecto, elas se colocam mais engajadas pela causa.
“Sempre que vou palestrar sobre cannabis no meio executivo faço questão de usar a palavra maconha, para já ir quebrando o estigma de que maconha e cannabis são coisas diferentes, pois não são. A planta é uma só. Também faço muita produção de conteúdo sobre sistema endocannabinoide, sobre o que é a planta, pois as pessoas não sabem e somente levando conhecimento é que vamos combater o preconceito”, esclarece Maria Eugênia, CEO da Kaya Mind.
As falas das mulheres que fazem parte dessa matéria foram tiradas do circuito de lives promovido pelo MORECAM – Movimento pela Regulamentação da Cannabis Medicinal no dia 9 de outubro: https://www.youtube.com/watch?v=Z1gh9uerwXc