A maior feira de negócios cannabicos da América Latina movimenta o mercado, mas pode ampliar a atuação frente às questões sociais.
A Expocannabis Brasil, na sua primeira edição, que aconteceu em São Paulo entre os dias 15 e 17 de setembro deste ano, chegou para se conceituar no mundo dos negócios cannabicos como o maior evento sobre cannabis da América Latina.
Durante os três dias, mais de 20 mil pessoas circularam entre os 140 estandes de marcas consagradas desse cenário e que representavam 11 diferentes países.
“Fazer um evento dessa magnitude num país como o Brasil, considerando os riscos para todos os envolvidos, é um desafio. Nós queremos mostrar o potencial do Brasil, as possibilidades, dar visibilidade desse movimento para comunidade brasileira… nós queremos regulamentar o mercado e para isso, temos que desistigmatizar, ajudar a sociedade a se informar para mudar essa visão. Essa é a importância da expo”, pontua Mercedes Poncio, criadora da Expocannabis Uruguay e organizadora da Expocannabis Brasil.
Paralelo a isso, mais de 40 horas de palestras, cuja a tônica dos debates discutiram temas como reparação histórica, antiproibicionismo, avanços científicos e medicinais, mercado, arte e cultura cannabica encheram as salas destinadas à informação com importantes e consagrados nomes que estudam e pesquisam a planta e suas possibilidades há anos.
É só dar uma olhada na programação para se ter uma ideia: www.expocannabis.com.br
Expocannabis expõe a versatilidade do mercado da cannabis
Caminhar pelos corredores onde ficavam os expositores e suas marcas era se deparar com público entusiasmado com a feira e com as possibilidades de negócios que a maconha oferece.
Diferente de outros eventos cannabicos que já aconteceram no Brasil, a Expocannabis conseguiu reunir representantes da indústria farmacêutica, com seus produtos derivados da planta, mas que não podiam ser comercializados e também a ala que abrange o estilo de vida de usuários recreativos.
Os stands com suas marcas e estilo próprio exibiam centenas de possibilidades de fazer parte dessa indústria que já atua de maneira legal nesse mercado.
Muitos produtos e serviços ali presentes não eram derivados diretamente da planta. Marcas de roupas, acessórios de tabacaria, equipamentos para plantio e extração, editora de livro, peças artísticas como quadros e ilustrações, coletivos de comunicação, comidas e bebidas terpenadas, são apenas alguns exemplos.
A antropóloga e pesquisadora da cannabis, Luna Vargas, vestia uma camiseta que exibia o recado: “a indústria da cannabis não é a indústria farmacêutica”, frase que já virou um jargão na cena.
Para ela, a expocannabis, além de reunir essas possibilidades de negócios, trouxe debates importantes para o público pensar essa indústria, quais caminhos estão se abrindo no Brasil e como melhorar.
“A expo condensou o que é a indústria da cannabis: produtos, serviços, conhecimento e outras áreas. Para além da cadeia produtiva da planta, a nossa indústria propõe discussões, projetos e destaca a importância de fazer justiça social e reparar o estrago que a guerra às drogas faz. Essas mesas de discussões e iniciativas provavelmente não seriam pautadas em um evento da indústria farmacêutica. Nesse campo de disputa em relação a produção de medicina, precisamos entender que nossa indústria consegue entregar qualidade, segurança e toda a parte social”, destaca Luna.
Aquilombrar, a formação de um quilombo dentro da cena cannabica
É incontestável que a maior parte do público que circulava pela feira era de pessoas brancas. Mas, entre os poucos pretos e pretas que acessaram a feira, alguns eram integrantes do Aquilombrar, um coletivo de pessoas pretas que se formou para debater a inserção desse público dentro do mercado cannabico.
“O grupo Aquilombrar surgiu tem pouco tempo e a ideia é justamente mostrar que pessoas negras devem ocupar esses espaços, não apenas para desempenhar um papel figurativo nos eventos, de ficar relatando nossas dores e problemas, precisamos de espaço para mostrar nossos trabalhos, nossas pesquisas. Eu sou cientista e gostaria de ser reconhecida como tal e ter oportunidade de mostrar nestes eventos o que uma cientista negra está estudando, descobrindo, criando. Isso é realmente uma outra forma de fazer reparação, é ajudar a abrir caminhos para que a gente tenha destaque nessa cena como profissionais que somos”, desabafa Lorrany Teixeira, mestranda em química de produtos naturais e ecologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Pesquisadora entusiasta de cannabis e psicodélicos naturais.
O Aquilombrar reúne pessoas de diversas profissões, estudiosos da planta, ativistas pela causa, mas que sofrem as consequências da pouca abertura de mercado, ainda como sequela do racismo estrutural que atravessa o país em todos os setores.
“Nós, como pessoas pretas que enfrentamos o atravessamento do racismo em nossas vidas no dia a dia, temos muito a acrescentar para o crescimento do universo cannabico. Para nós, estar num evento como esse não nos deixa esquecer que do lado de fora tem pessoas sendo mortas agora por causa dessa mesma planta e para além disso, com todas as dificuldades, seguimos estudando e temos total condição de ocupar o palco das palestra para compartilhar nosso conhecimento técnico, científico, e nossas pesquisas”, reforça Dra Lih Vitória, biomédica e cientista.
Marcha da Maconha faz manifestação na Expocannabis
Duas figuras emblemáticas do coletivo da Marcha da Maconha de São Paulo, Diva Sativa e Rebeca Lerer, tiveram espaço para debater sobre a importância histórica das Marchas em todo o Brasil, que há mais de 15 anos levam às ruas de forma autônoma e independente a luta antiproibicionista a favor da legalização democrática e com reparação histórica.
“Nós como sociedade podemos nos organizar e fazer incidência política, pois nossos legisladores, nosso judiciário não sabem a realidade do trabalhador brasileiro. Dentro do nosso coletivo a gente discute o quanto essa guerra às drogas é uma escolha do Estado de atravessar as vidas de pessoas pretas de várias formas. Nós continuamos sendo coagidos e mortos, nossas expressões artísticas e culturais seguem sendo reprimidas e estamos até hoje sofrendo com o racismo e o preconceito”, defende Diva Sativa, uma das organizadoras das Marchas Periféricas de São Paulo.
Ao final da palestra uma multidão de pessoas saiu pelos corredores da feira com uma bandeira da Marcha da Maconha entoando “Legaliza Brasil”, ideal que une todos que lutam por essa causa.
A ativista, comunicadora e organizadora da Marcha da Maconha de Belo Horizonte, Ingrid Rodrigues, declara que faltou ter representantes de outras Marchas Brasil afora, são dezenas de coletivos e muitos ainda enfrentam dificuldades para colocar o movimento na rua de suas cidades, por conta do conservadorismo das câmaras legislativas, que tentam proibir a liberdade de expressão.
“A gente percebe que houve uma preocupação da organização em trazer temas relevantes para o debate, como antiproibicionismo, reparação histórica, mas faltou um destaque com uma mesa exclusiva com representantes de diversos grupos da marcha da maconha, pois os coletivos da marcha são os principais engajadores desses temas há muitos anos e ainda sofrem represália política”, pontua Ingrid.
Balanço Geral
Não há como negar a magnitude e a importância da expocannabis, principalmente por se tratar de um tema tão polêmico e proibido no Brasil, que é a maconha.
A feira aconteceu em um espaço de eventos tradicional de São Paulo, reuniu muitos pesquisadores e pensadores do tema para promover o debate e a troca de informação, conseguiu encaixar no mesmo ambiente empresas farmacêuticas, associativismo, movimentos sociais, ativistas, profissionais da saúde, usuários adultos, pacientes clínicos e curiosos.
A novidade atraiu a grande mídia que publicou matérias em diversos portais de notícias e inclusive, provocou políticos que tentaram impedir o evento e fizeram uma moção de repúdio logo após, isso comprova que o evento fez barulho e mexeu com a ira dos mais conservadores.
A Expocannabis está no caminho certo e ajustar o prumo é parte da jornada. Para potencializar os resultados, a organização pode ampliar o efeito comitiva da feira com ainda mais diversidade, representatividade e acessibilidade.